Certezas

As certezas acompanham cada um por toda vida. Mas enquanto o tempo vai passando, elas vão ruindo uma a uma, ora sendo substituídas por outras, ora apenas desaparecendo.

Muitas das verdades às quais nos agarramos não conseguem resistir quando são submetidas às verdadeiras provas da vida, pois não passam de ilusões que se vestem de verdades. Ao serem despidas das suas vestes enganadoras, só lhes resta ficarem pelo caminho, abandonadas. Melhor se for sem apego. Sem revolta. Sem arrependimento. Sem pudor.

Apenas sendo deixadas para trás por não servirem mais, por não terem mais a capacidade de sustentar os princípios nos quais elas mesmas se sustentavam falsamente. Mas, e agora? O que fazer com o vazio que fica onde as certezas habitavam antes de serem despejadas?

Estas lacunas deveriam ser preenchidas com novas certezas, que mais tarde haverão de também ruir? Para quê? Para que servem as certezas, afinal?

Talvez sirvam para nos dar segurança no que fazemos, dizemos ou sentimos. Ou para nos amparar nas decisões que precisamos tomar a todo o momento. Ou para provar a todos que nós é que estamos certos. Ou...

Mas, se as certezas não são certas, a segurança, o amparo ou as provas que obtemos através delas não passam de ilusão. Da mesma forma que as próprias certezas.

E então, antes que surja o desespero ou a desesperança, talvez fosse útil lançar um apelo derradeiro sabe-se lá a quem:

Salve-me. Salve, pelo menos a mim, das minhas certezas. De todas elas.

Para que elas não contaminem o que eu penso e o que eu sinto. Para que eu possa ser livre para decidir o caminho que seguirei. Para que eu possa me renovar sem medo e sem culpa. Para que eu possa, enfim, perceber que a vida é uma roda girando independente da minha vontade e do meu controle, que ora me eleva, ora me rebaixa.

Só assim, entrando no ritmo da vida e deixando de tentar interferir no seu movimento natural, eu poderia acompanhá-la e desfrutar de tudo o que ela gentilmente me oferece. Então, eu estaria apto a entendê-la e a construir de forma ativa, positiva e consciente.

Seria uma atitude mais saudável e proveitosa eu procurar descobrir os motivos pelos quais há, no mundo, coisas ou acontecimentos que me desagradam. Por trás deles, sempre haverá ensinamentos preciosos que eu poderei aproveitar se:

·  antes de resistir e lutar, eu tentar entendê-los;

·  antes de me deixar dominar pelo orgulho, pela soberba, pelo egocentrismo, examinar a questão com humildade e sabedoria;

·  antes de colocar a culpa nos outros, procurar ver onde posso ter falhado nas minhas responsabilidades;

·  antes de amaldiçoar ou reclamar, procurar identificar a oportunidade de novos aprendizados;

·  e, finalmente, tiver lucidez e vontade para mudar o que for preciso para agregar qualidade à minha vida.

Mudar, principalmente, as minhas certezas, pois elas são passageiras. Nenhuma certeza no mundo resistiu à marcha evolutiva da humanidade. Seria muita pretensão achar que justamente as minhas certezas poderiam permanecer.

Mesmo porque, para se ter alguma certeza sobre algo, será preciso acreditar que se tem o conhecimento sobre este algo, o que, aliás, é apenas crença. Porém, se Sócrates (o grego, não o jogador de futebol!), com toda a sua sabedoria, declarava que “só sei que nada sei”, o que resta a nós? Apenas declarar que “nem sabemos que nada sabemos”.

Ter consciência da própria limitação e finitude pode poupar muitos dissabores e sofrimentos através de uma vida mais fluída, mais maleável.

Como já dizia o Raul:

              “Eu prefiro ser esta metamorfose ambulante,

               do que ter aquele velha opinião formada sobre tudo.”