O Grande Sábio

Em uma aldeia remota vivia um homem que era considerado de grande sabedoria pelos aldeões. Ele ansiava compreender o mundo e a humanidade.

Os que viviam ali o chamavam de “Grande Sábio”. Todas as tardes, o Grande Sábio se dirigia à praça da aldeia para falar com todos que quisessem ouvi-lo.

Um dia, o Grande Sábio deixou a aldeia e se isolou por anos em uma caverna no alto de uma montanha. Ficou por lá meditando e tentando encontrar as explicações que precisava para as dúvidas que tanto o afligiam. Até que, achando que já havia encontrado a sabedoria e a serenidade que precisava, sai de seu retiro na caverna.

Para sua surpresa, na entrada da aldeia encontra um dos garotos que todas as tardes ia ouvi-lo na praça. O Grande Sábio gostava de chamá-lo de Gafanhoto. Depois de todos estes anos, ele já estava um rapazinho, mas continuava com o mesmo ar de curiosidade de sempre.

─ Gafanhoto! Que surpresa...

─ Eu sabia que o Senhor viria um dia. Por isso venho aqui esperá-lo quase todos os dias.

─ E o que você quer de mim, Gafanhoto?

─ Oh, Grande Sábio! Eu sempre fui um dos que mais buscaram a sua palavra. Enquanto esteve ausente, continuei procurando aprender em todas as fontes disponíveis para um dia poder estar aos pés do seu grande conhecimento e sabedoria. Então, gostaria que me falasse sobre as conclusões que chegou sobre o mundo e sobre a humanidade durante o seu retiro.

Tocado pela dedicação de Gafanhoto, o Grande Sábio se enternece e concede a ele a primazia, algo como uma entrevista exclusiva, sobre o que traz de luz e de conhecimento para todo o seu povo.

─ Fale, Gafanhoto. Quais são suas dúvidas? Só poderei falar sobre o que você questionar.

─ Oh, Grande Sábio! Quanto honra! Certamente, depois de anos de meditação, a humanidade poderá redefinir sua caminhada evolutiva depois de receber vossos valiosos ensinamentos. Fale-me, em primeiro lugar, sobre o amor. Após a humanidade ser esclarecida pelos seus ensinamentos, poderá, finalmente, viver em comunhão, sendo as pessoas movidas apenas pelo amor?

O Grande Sábio abre os braços como se fosse abraçar o mundo. De olhos fechados, ele sorri imaginando a humanidade agindo amorosamente.

─ É claro, Gafanhoto! Quem seria capaz de não atender ao chamado do amor? Quem deixaria algum outro, que vive ao seu lado, sofrendo por qualquer motivo sem lhe apresentar a mão amiga ou o ombro para se apoiar? Depois de ouvirem o que eu tenho a dizer sobre o amor, todos na Terra irão mudar suas vidas...

Com um sorriso no rosto e as pálpebras pelo meio dos olhos, Gafanhoto apenas o observa, sem nem se mexer, completamente absorvido pela fala do seu mestre. O Grande Sábio olha para o rapaz e tem a impressão que ele está meio apatetado.

Isso tira o Grande Sábio da sua euforia inicial, como se tivesse recebido um chamado para a realidade. É neste novo estado de ânimo que continua seu discurso.

─ Bem, nem todos serão tocados pela vivência do amor. Há alguns que, às vezes, privilegiam a si mesmos em primeiro lugar. Na verdade, não são apenas alguns. São muitos. E não é às vezes que pensam só em si. É quase sempre. É provável que, por falta de amadurecimento consciencial da humanidade, ainda seja cedo para o amor vencer o egoísmo.

O Grande Sábio olha para Gafanhoto e o vê naquela mesma posição, imóvel, como um apatetado, o que o incomoda.

─ Gafanhoto, o que mais você quer saber?

─ Hein? Ah, sim! Oh, Grande Sábio, como são sábias suas palavras... Fale-me agora sobre o dinheiro e os bens materiais.

─ Ah, Gafanhoto! Este será o maior ensinamento que transmitirei à humanidade. Ao descobrirem que ninguém precisa ter consigo mais do que o essencial para viver, todos entenderão que não há lógica em haver alguns passando necessidades enquanto outros estão em situação onde lhes sobram recursos materiais. Então, as riquezas serão compartilhadas e não haverá mais miséria no mundo. E os homens aprenderão a viver em paz e em harmonia praticando a solidariedade.

Gafanhoto novamente se encontra naquela mesma posição, absorto no discurso do seu mestre. Mais uma vez, a visão faz com que a euforia do Grande Sábio desapareça, o que já começa a lhe provocar algum desânimo. É neste clima que continua sua explanação.

─ Bem, Gafanhoto, temos que levar em conta que o apego à riqueza é proporcional ao seu tamanho: quanto mais riqueza houver, maior será o apego a ela. Então, dificilmente alguém quererá abrir mão dos seus bens simplesmente para que outros os usufruam. O pensamento dominante será que cada um tem que lutar para conquistar o que é seu. Mesmo quem nunca teve que lutar por nada, por ter recebido tudo o que tem por herança, pensará assim. Então, as riquezas do mundo continuarão se concentrando nas mãos dos poucos que já as detêm hoje.

A estas alturas, o Grande Sábio já está aborrecido com a situação e é com certa rispidez que se dirige ao rapaz, que continua na mesma posição.

─ Gafanhoto! Hei, Gafanhoto! Já terminei de falar sobre a riqueza. O que mais você quer saber?

─ Oh, Grande Sábio, é uma dádiva poder degustar suas palavras, uma a uma! Fale agora, para o meu deleite, sobre...

─ Chega, Gafanhoto! Não vou falar sobre mais nada. ─ O Grande sábio já havia perdido a paciência. ─ Vou voltar ao meu retiro. Lá, eu era feliz e não sabia! A humanidade não é merecedora das minhas pérolas. Que fique com suas mazelas.

E então, o Grande Sábio dá meia-volta e começa o caminho de volta para a sua caverna na montanha. Mas, depois de dois passos, para e volta-se novamente ao rapazinho:

─ Gafanhoto...

─ Sim, Grande Sábio! Fale, fale...

─  ...você é uma besta!

E estas foram as últimas palavras que um humano ouviu de sua boca.

 

Moral da história:

Gafanhoto era uma besta. Assim como todos os moradores da aldeia, pois consideravam um Grande Sábio alguém que ficou anos meditando e teve as suas conclusões derrubadas pelas perguntas bestas de uma besta. Isso demonstra que o Grande Sábio também era uma besta.

Uma besta, entre outras bestas maiores, com facilidade pode se transformar num sábio.

 

Continuação provável da história:

Gafanhoto será o novo Grande Sábio daquele povo.